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Autor: geral

Os Fojos e batidas ao Lobo, e a difícil convivência entre o Homem e o animal, histórias de outros tempos…

O Lobo sempre foi uma figura envolta em lendas e superstições ao longo da história, nas aldeias serranas este predador foi gerando mitos e contos assombrosos, muitas das vezes repetidos e ampliados nas longas noites de inverno, sobre o crepitar das fogueiras aos sempre animados serões.

Os povos das várias aldeias da freguesia de Cabril, que grande parte deles vivia da pastorícia, nunca manteve um relacionamento pacífico e a coexistência foi sempre muito ténue, o lobo desde sempre foi considerado um animal destruidor de rebanhos, feroz e que matava por prazer tanto os animais miúdos, como os de grande porte cavalos e vacas e muitas das vezes iam aos animais domésticos como os cães.

Era também um animal que o povo acreditava que transmitia a doença da “lobagueira ” que somente se manifesta no porco doméstico, nalgumas aldeias do Barroso ainda existe a “gola do lobo ” que é um pequeno troço da traqueia do lobo, que servia para curar a tal peçonha, o povo dizia que quando os bois orneavam de noite era porque o lobo andava por perto, os dias chuvosos e de nevoeiro cerrado ,eram dias que era preciso redobrar a atenção, era quando eles aproveitavam para atacar ,nesses dias o povo dizia e diz -“hoje é dia de lobo”.

O Lobo foi e sempre será um animal lendário, quase sempre perseguido, muitas poucas vezes compreendido e muito menos respeitado, foi sempre um símbolo de crueldade e de sangue.

Os povos da serra do Gerês combatiam-no, eram organizadas batidas, que eram sempre muito concorridas, quer por graúdos como por miúdos ,enquanto os homens se colocavam nas esperas e nos pontos altos das fragas, os mais novos iam fazendo a batida, ora tocando nos cornos e nas buzinas, alternando com o bater de mato e latas, e com grandes gritos como só os homens da serra o sabem fazer, sempre a espera que o bicho deixasse o seu esconderijo e fosse de encontro aos homens que os esperavam avistar do alto das suas esperas.

Estas batidas foram proibidas pelo decreto -lei 193/90 de 27 de Abril que veio regulamentar a lei 90/88, que estipula a proibição de matar, maltratar ou outras formas de contribuir para a extinção dos lobos.

Nas comunidades mais isoladas e embutidas no meio da serra e de difícil acesso, essas batidas realizaram-se até bem mais tarde.

Quando um lobo era morto, o que era raro ,tornava-se um motivo de festa e enorme regozijo nas aldeias e suas populações, a quem os participantes nas batidas faziam questão de o mostrar e fazer desfilar, na maior parte das aldeias, eram recebidos com uma salva de tiros, toda a gente saia de casa ,novos e velhos faziam questão de ir ver o bicho ,muitos ofereciam dinheiro e géneros alimentares, outros maltratavam e preferiam enormes palavrões, tal era o ódio e a repugna que eles le tinham, o atirador virava herói, o nome passava a ficar eternizado, pois era muito raro matar um lobo, ainda nos dias de hoje são comentados e lembrados os nomes de vários matadores de lobos, que já faleceram a dezenas de anos ,muitos deles só são recordados pelo nome ou apelido, pois eram homens de um tempo muito antigo, um tempo que já quase ninguém se lembra, eram os descendentes daqueles que construíram os fojos para combaterem os animais carnívoros, o que implicava um grande engenho e muita mão de obra ,são paredes com dois metros de altura , o que implicava a mobilização de toda a aldeia ,eram milhares de pedras carregadas a tracção animal, cujo o objectivo era dizimar o lobo que atacava os animais e rebanhos.

Na freguesia de Cabril existem quatro fojos ,todos eles de paredes convergentes, feitos por duas paredes que convergem para um buraco , que implicava que houvesse uma batida que envolvia toda a aldeia e as aldeias vizinhas, os batedores tocavam o lobo para o fojo de forma a ele cair no buraco, que era previamente escondido com vegetação, existem dois fojos de serra alta ,o fojo de Alcântara que está em ruínas e o de Pincães, situado no alto do sobreiro, que foi recentemente recuperado e que é talvez o mais antigo ,visto que possui uma pedra com a data de 1184 ??

Junto às aldeias existem os outros dois, o de Fafião, que também está em excelente estado de conservação, e que é talvez o último a ter uma batida com sucesso, pois no mês de Dezembro de 1948, num dia feio e enevoado e frio, foram abatidos pelo menos três lobos, finalmente existe o de Xertelo, o último a sofrer uma intervenção de recuperação e talvez aquele que tem o registo mais antigo, com 244 anos e que vou passar a citar:

“… Xertello aqui junto a este lugar está um fojo em que se caça os lobos grandes quando lhe fazem montaria que são humas paredes muito largas na entrada que principiao de hum /valle e assim se vão seguindo athé huma Portela, e dahi /estreitando para a outro abaixo e rematao em huma profunda /cova feita por dentro a esquadria mais larga e rredonda /no fundo que na boca a qual tem cuberta e salpi-/cada com urge verde e assim os tangem com muitos tiros /e cães athé os faser cahir naquella cova e lhe não dão tiros se não des que passao para diante para não retrocederem, e tem posto junça (?) Aos que lhe cortão os Matos ou os queimão dentro daquelas paredes para que os lobos /se bam agachado e escondendo as quaes paredes sao /de nove ou des palmos asimbodas (?) Por Sima e por fora /estão alguns monteiros com tiro de pólvora seca./

…concorrem para as montarias deste fojo todos os moradores dos lugares do valle de o cabril S. Lourenço chello /xertello e Azevedo e tem repartidos os postos /tanto para atirar como para bater o monte e dividi-lo /do seu destrito e algum chamando – fojo o fo-/jo que ache signal de lobo dentro daquelles limites que batem com voses tiros e caens para os faser/fugir dos seus ninhos e escondrigios porque sao muito manhosos “

Quanto a mim sempre fui um admirador do lobo e pela sua sobrevivência até aos dias de hoje, apesar dos ferozes ataques contra eles, e representam mais do que ninguém a liberdade e o ser selvagem.

Os Carvoeiros e o burro que pegou fogo

Esta não é a história que me apraz contar, mas lembro as palavras do “Ti” João do Albino do lugar de S. Lourenço, que fala com autoridade do alto dos seus 82 anos: “era tempo de fome e muita miséria, eu lembro-me de ser um rapazote e a minha mãe me mandar soltar os porcos, que andavam as cabeçadas a porta da corte, tinham fome, ela só dizia, ide a vossa vida e governai-vos, eram tempos ruins de miséria, tanto para os animais como para nós.” 

Ou então as palavras do “Ti” Manel Barreiro: ” olha eu passei tanto por essa serra, passei frio e fome, não havia nada, era só côdeas de pão milho, comi tanto, ainda hoje não posso ver o pão milho. “

Eram realmente tempos muito difíceis, em que o povo de Cabril, só vivia da terra e dos animais, eram tempos que a serra do Gerês estava cheia de gente, eram os agricultores que tinham o centeio nos currais, espalhados um pouco por toda a serra, era os contrabandistas a fazer pela vida, os guardas fiscais a tentar detê-los, e havia ainda os que se dedicavam a extracção do volfrâmio, o ouro negro, e que fez com que a serra fosse esventrada um pouco por todo lado. 

Eram tempos que ser vezeireiro era um privilégio, e não era fácil conseguir esse trabalho, apesar de ser um trabalho sazonal de 3 meses a guardar e pastorear os animais na serra, eram esses 3 meses que garantiam o sustento para o resto do ano, pois o vezeireiro era pago em géneros alimentares pelo resto da população. 

E depois havia ainda os carvoeiros, pessoas que passavam muito tempo na serra a arrancar os torgos de urze e a fazer os buracos para o carvão, como diz o “Ti” João da ponte: ” oh pah!! era um trabalho excomungado, era sempre sujo, todo negro, as mãos estavam todas gretadas, mas prontos dava para ganhar alguns tostões. “

O “Ti” João da ponte, fala como uma pessoa conhecedora da realidade, ou não tivesse ele feito muito carvão e dormido muitas vezes nas cabanas da serra, e carregado muito carvão para o depósito no Teixo, é também ele que a determinada altura conta a história do burro que pegou fogo: ” naquela época andava-se a fazer o carvão no Cambeiro, andavam lá dois ou três homens, já não me recordo, e o Custódio do Luís e ele trazia um burro com ele, para o ajudar nas cargas, eles acabaram de fazer o carvão e carregou o burro e pôs outro saco as costas e começou a subir a serra pelo Curral dos Bezerros até à Cidadelha, onde naquela altura estavam a dormir, e era na cabana que guardavam a comida, e ele foi a cabana botar uma bucha, que era para depois subir a Revolta até ao Teixo, onde estava o depósito de todo o carvão feito na serra, também havia lá uma loja que vendia pão e vinho e mais umas coisitas, só que enquanto foi a cabana o burro desapareceu, andou para cima e para baixo e nada do burro, foi dar com ele passado umas horas, todo chamuscado, já perto da Arroçela, estava vento e o carvão não estava bem apagado e pegou fogo, coitado do burro, só parou quando as cordas que atavam o carrego arderam, e ele se livrou do fogo. 

Andaram um mês a carregar o carvão as costas até ao teixo, pois o burro teve de vir para a aldeia para recuperar, ainda se queimou bem, eram uns tempos…mas olha que eu ainda me lembro é tenho saudades desse tempo, apesar da miséria, agora para vós é tudo muito fácil, naquela altura não havia nada de nada era trabalhar par sobreviver, era mesmo só para sobreviver… “

P.S. As fotos são de alguns locais da serra onde se fazia o carvão e também de um antigo buraco do carvão.

O que eram os Vezeiralhos? E o Responso de St. António para coisas perdidas e em perigo

As várias aldeias de Cabril, nasceram e cresceram encravadas entre pedras e fragas na serra do Gerês, com pequenos núcleos habitacionais encostados a montanha, e que fizeram destes povos um verdadeiro paradigma da sobrevivência desde tempos muito remotos, estas populações tinham na agro-pecuaria a actividade dominante, uma agricultura de minifúndio que era completada com a pastorícia, os animais eram muito importantes ,durante os rigorosos Invernos dormiam por baixo das habitações e eram pastoreados pelos montes paroquiais de cada aldeia e formando a mesma as suas próprias vezeiras. 

Quando chegava o tempo ameno e o mês de Abril, era a altura em que as várias vezeiras começavam a subir a serra.

A serra era fundamental aos povos que a escolheram para viver, e o povo quase fazia uma migração para a alta serra ,uns para fazer o carvão ,outros no volfrâmio, havia ainda aqueles que arriscavam a vida no contrabando e na passagem de homens para a clandestinidade, tudo vidas difíceis e muitas das vezes a roçar a miséria, por isso a serra e a montanha sempre esteve enraizada no coração destes povos ,para o bem e para o mal era da serra que vinha a sobrevivência, era onde se ganhava algum dinheiro, de onde se cultivava o centeio, onde se buscava o pasto para os animais, em Abril subiam as vezeiras das cabras, no primeiro dia do mês de Maio ,era a vez da subida da vezeira das vacas, a subida dos bois só ocorria no fim do mês de Maio, tinham de ficar na aldeia, tinham que carrar o esterco para os lameiros, tinham de lavrar e engradar, era na altura em que eram feitas as grandes bessadas que chegavam a ter mais de 20 pessoas de enxada na mão, por isso a serra dos bois era diferente ,era a serra alta que começava a partir da cigarra, tanto a vezeira dos bois como a das vacas tinha o seu próprio vezeireiro que acompanhava e tomava conta deles até ao fim do mês de Setembro eram cinco meses a viver na serra ,a dormir nas cabanas e a olhar pelos animais, só regressava a aldeia no dia 29 de Setembro, a partir desta data os animais deixavam de estar guardados e a responsabilidade do vezeireiro para com eles terminava. 

Era nesta altura em que alguns dos donos dos animais optavam por deixar ficar o gado mais quinze dias na serra e criavam os vezeiralhos, que eram pequenos núcleos de animais que ficavam para traz e que eram guardados a vez pelos seus donos, nestas alturas também havia uma maior dispersão dos animais e alguns chegavam-se a perder, o não saber ou perder um animal na serra era sempre encarado como uma preocupação, pois os lobos não andavam a dormir, muitos recorriam as pessoas mais velhas e respeitadas da aldeia para lhe rezar o responso das coisas perdidas ,o religioso e o pagão esteve sempre presente nestes povos ,o responso era rezado de noite e sem o mínimo barulho para não se enganar, e sempre virado em direção a igreja e o responso dito era este:

Santo António se levantou 
Se vestiu e se calçou,
Seus pés e suas mãos lavou,
E para o paraíso caminhou, 
O senhor encontrou, 
Que lhe perguntou:
Onde vais tu António?
-senhor convosco vou.
-tu comigo não irás, 
Tu no mundo ficarás, 
O vivo guardarás, 
E O perdido encontrarás 
Pelo hábito que vestiste, 
Pelo cordão que cingiste, 
Pelo livro que abriste, 
Assim como tiraste o teu pai da sentença falsa
Livrai (aqui diz-se o que se quer responsar )da má sorte,da morte, de lobos e lobas, raposos e raposas e dos males do mundo 
Pela honra e glória da virgem Maria um pai nosso e uma avé Maria 

Era rezado de joelhos e em silêncio, se quem diz o responso não se enganar o animal não corre perigo, se se enganar, há perigo e é necessário ir logo procurar o animal, antes que algo lhe suceda. 

“O mártir Santo S. Sebastião e a bênção do carolo”

Todos os anos no dia 20 de Janeiro, realiza-se nas aldeias da Baixa de Cabril, uma procissão seguida de um carolo comunitário em honra do mártir S. Sebastião, santo advogado da fome, peste e da guerra. 

Como começou a bênção do carolo? Perdeu-se na memória, sabe-se que o mártir santo, é o padroeiro das aldeias da Baixa de Cabril e que todos os anos, o povo o honra com uma procissão a que se segue um bodo comunitário, que é benzido pelo pároco da aldeia. Se em tempos era só o pão de milho, vinho e aguardente em abundância, oferecido pelo povo, era um dia de fartura em que se esquecia a fome, peste e guerra, hoje a mesa é mais farta, mas o povo continua a ajudar a sua realização. 

Há alguns anos, S. Sebastião tinha uma festa na sua honra, festa que era rotativa pelas aldeias da Baixa. Se num ano a festa fosse a cargo da aldeia de S. Ane, no ano a seguir caberia a Vila e Bostuchão, no terceiro ano seria a vez de Vila Boa, Fontainho e Chelo e no quarto ano seria a vez de Cavalos e Chãos e finalmente regressaria a S. Ane o ponto de partida.

Hoje em dia só existe a missa, seguida de uma procissão e tem como o ponto alto da festa  a bênção do carolo, no qual ocorre muito povo e que faz questão de levar os géneros alimentares e a bebida ou então contribui com dinheiro para que a mesma se possa realizar.

Lendas e Tradições, o Poço dos Mouros no canto do Ola, e o buraco das Cervas nos Cabeços de Xertelo

As aldeias de montanha e de cariz agro-pastoril, devido ao seu isolamento e com um contacto muito tardio com a dita civilização, basta lembrar que a luz elétrica só chegou a Cabril a cerca de 40 anos, muitas das estradas vieram mais tarde. Por isso não é de estranhar que a maioria das aldeias ainda guardem lendas e tradições de outra hora e de outros tempos , que eram transmitidas aos mais novos, normalmente aos serões nas rigorosas e gélidas noites de inverno, sempre ajudavam a “matar” o tempo e a tornar as noites longas e frias mais quentes, eram serões animados e muito participativos ,junto à uma enorme lareira, normalmente as cozinhas eram grandes, era o local central da casa, onde se juntava o agregado familiar e alguns vizinhos da aldeia, era nessas alturas que se contavam histórias mirabolantes, histórias de locais encantados, do tempo dos Mouros, sítios de bruxas, a serra do Gerês é muito fértil em tradições orais e lendas , há sempre um local onde se diz que aparece algo, há lendas de locais que contém grandes tesouros enterrados, ou então tesouros que contém um encantamento em que era necessário usar-se o sagrado e ao mesmo tempo tenebroso livro de S. Cipriano (aquelas casas que possuíam o livro guardavam-no como se de um tesouro se tratasse ) o próprio livro refere locais encantados tanto na vizinha Galiza como em locais da serra do Gerês, contam-se histórias de homens que com a ajuda do livro e normalmente acompanhados de um padre , tentaram desfazer alguns encantos, mas pelo medo ou por outro motivo qualquer, havia sempre algo que não corria bem, e os enormes tesouros lá ficavam a espera que apareça outro corajoso.

As lendas sempre fizeram parte dos povos e das aldeias do Barroso, muitas delas cingem-se a lugares individuais ou específicos, é raro ver uma lenda a ligar dois locais tão separados e distantes um do outro, como acontece com o Buraco das Cerves que fica nos Cabeços, logo abaixo da Roca dos Teixos, bem perto da aldeia de Xertelo, e o Canto da Ola que alberga o Poço dos Mouros que era conhecido pelos pastores das cabras por Dornão, o que é lógico, pois segundo o professor Fernando Cosme e no seu livro ” Pela serra do Jurês e ao longo da jeira, história da toponímia ” refere que Dorna terá como a palavra Ola ,o significado de redemoinho num curso de água, escavação circular que esse redemoinho produz no leito rochoso .

Ora o Poço dos Mouros não é nada mais do que isso ,uma verdadeira maravilha da natureza, se bem que aterradora mas ao mesmo tempo tal é a grandiosidade do buraco com cerca de 55 metros de altura, que era evitado a todo custo pelos pastores, não gostavam de la passar ,enquanto que o Buraco das Cerves era segundo a tradição oral uma passagem do tempo antigo do tempo dos Mouros na linguagem do povo, que era uma passagem para o outro mundo, que iria sair ao Canto da Ola ,daí o nome de Poço dos Mouros é tradição também que na sua saída tinha duas enormes padieiras de pedra e um grande portão em madeira e que nos tempos antigos servia de passagem para fugir as guerras, fala-se que várias pessoas tentaram fazer o caminho do Buraco das Cerves até ao Poço dos Mouros, mas que as luzes se apagavam repentinamente, que as lanternas deixavam de dar luz e que pelo meio do caminho havia várias hipóteses em forma de labirinto, a quem diga que também tem uma grande câmara em que entra luz natural e logo de seguida tem duas minas e aí tem de se optar bem para se poder chegar ao Canto da Ola, mas é preciso ter juízo….

Eu já explorei os dois locais nunca encontrei nada…mas também me falta explorar ainda muito mais, daí pensar como os vizinhos Galegos.

“NO CREO EM BRUJAS, PERO QUE LAS HAY, LAS HAY “

Os povos da Serra do Gerês, o Pré-Cristianismo, o Paganismo e as grandes caminhadas pelas serras em busca dos Deuses

O povo de Cabril, assim como os outros povos da serra do Gerês, são comunidades que se fixaram nas ásperas zonas montanhosas e de íngremes serras que acabou por lhe dar um caracter completamente austero e serrano, são pequenos povoados que ficaram encravados e escondidos do mundo e vetados a um isolamento.

Mas foi esse isolamento que fez, e que ainda perdura e que continua a viver dentro de nós, algo da nossa identidade, pois o isolamento a que se esteve sujeito dificultou e criou entraves à entrada de outras formas de vida e culturas, nestes pequenos povoados.

Esse isolamento chegou até bem perto dos finais do século XX, exemplo disso é um relato que fez o Doutor Montalvão Machado na altura delegado de saúde de Vila Real, aquando de uma visita à Freguesia de Cabril em meados dos anos 50, em que ele refere, :” Cabril é uma localidade de estreitos caminhos e carreiros de muito difícil acesso nos meses de verão, e que torna esse acesso impossível nos meses de inverno. “

Por estes motivos, as culturas e tradições dos autóctones perduraram e chegaram aos nossos dias, se bem que com muitas demasiadas percas por este sinuoso caminho.

O Cristianismo foi das que mais rápido conseguiu e se acabou por enraizar, se bem que sentiu ele próprio enorme relutância e dificuldade entre estes povos rurais e do campo e nestes locais ermos e isolados, e nos extratos mais baixos da sociedade o paganismo continuou a existir, é certo que de uma forma mais mitigada, pois os pagãos não se tornaram cristãos da noite para o dia, os padres e sacerdotes passaram a cristianizar muitas festas pagãs, dando – lhes um novo sentido, e em seu lugar foram erigidas igrejas e cruzes da nova fé .

E quando a igreja não conseguia dissuadir o povo das antigas práticas religiosas adaptava, transformando-as em práticas cristãs.

Por isso não será de estranhar a devoção e quantidade de festas dedicadas a S. João, ele próprio um santo muito conectado com o paganismo, nascido a 24 de julho, que coincide seu nascimento com o solstício de verão, que era a época que as populações agrícolas muito anteriores ao cristianismo, como os povos castrejos, celtas e germânicos comemoravam a fertilidade da terra e dos animais e as boas colheitas.

Em todo o Barroso assim como nas zonas da serra do Gerês, acender fogueiras, dançar em volta do fogo e pular, era também nesse dia que se apanhavam determinadas plantas com qualidades mágicas e terapêuticas, que eram partes importantes dos cultos do solstício de verão, o costume acabou por ultrapassar os tempos e se manteve mesmo depois de oficializado o cristianismo.

Ora como pagãos ou cristãos, estes povos continuaram a ter enormes crenças e devoção perante as entidades superiores, continuaram a ser devotos, fizeram uma miscigenação de religiões e a cima de tudo adaptaram, e continuarão a fazer arriscadas peregrinações para ir visitar determinados locais, lugares, Santos, igrejas ir a festas religiosas, exemplo disso é a fonte Santa de Penacriva, que fica na freguesia de Cabril que tinha peregrinos de todo o Barroso e Galiza que vinham em busca da sua água, a qual atribuíam propriedades mágicas e curativas, nos dias de hoje ainda é procurada, isto não deixa de ser uma forma de paganismo, pois ele é fortemente caracterizado pelos cultos que esses povos prestavam a água e ao fogo.

As grandes travessias que eram feitas pela serra também não deixam de ser admiráveis, a Senhora da saúde do lugar de Xertelo, nos dias de festa também recebia e recebe-se bem que em menor quantidade peregrinos vindos pelo meio das montanhas do lugar de Pitões Das Júnias e de várias aldeias da Galiza.

Mas o mais impressionante é a devoção criada em torno da Senhora da Peneda nos Arcos de Valdevez, considerada uma das maiores romarias do norte e com origens pré cristãs, envolvendo peregrinos vindos de enormes distâncias pelo meio das montanhas e serras, principalmente das zonas da Peneda -Gerês, e Galegos da serra do Xurés, a festividade assenta num espaço natural de uma enorme beleza em frente de um imponente e magnífico afloramento rochoso de grandes dimensões, os povos aproveitavam para cantar e dançar até vir o dia ,muitas dessas caminhadas aconteciam de noite no meio da escuridão e dos uivos dos lobos ,muitos faziam dezenas de quilómetros, apesar de ter origens pré cristãs, e várias lendas , uma das lendas reporta – se a uma passagem entre 716 ou 717 em que os cristãos fugidos de uma invasão dos sarracenos, teriam deixado uma imagem entre as fragas da serra da Peneda.

Os povos de Cabril desde tempos imemoriais que fazem esta longa e sinuosa travessia pelo meio das serras do Gerês, Xurés e Peneda.

Cristãos ou Pagãos? É difícil de dizer, mas é sem dúvida uma fusão entre as duas, pois até as peregrinações a Santiago de Compostela tem uma origem muito anterior ao cristianismo, em que os povos vindos de toda a Europa se dirigiam a finisterra para ver pelo menos uma vez na vida o nascer e o por do sol, pois era considerado o fim do mundo pelos povos Pagãos.

ULISSES PEREIRA

* as fotos são da caminhada realizada pelas gentes de Cabril a Senhora da Peneda em que atravessam 3 serras e dezenas de quilómetros para lá chegar.

As crenças e religiosidade e o dia 3 de maio, o dia da Santa Cruz, o dia dedicado aos pobres.

Cabril, assim como grande parte das aldeias do Barroso, foram durante séculos locais isolados, construídas sobre ermos, praticamente inacessíveis durante o verão e alguns deixavam mesmo de o ser durante os meses de inverno, estes pequenos povoados pouco ou nada alteraram ao longo de centenas de anos, a sua forma de vida e o seu viver, eram povos que viviam em locais inóspitos entre fragas e pedras, encravados nas montanhas entre cursos de água, junto à florestas em zonas de difícil acesso, talvez por esse motivo o comunitário forçado e a entreajuda foi uma forma de ultrapassar todas as dificuldades com que se iam deparando e foi desse modo que conseguiram chegar com alguma vitalidade aos dias de hoje.

Eram povos muito ligados ao sobrenatural, a natureza, viviam em constante promiscuidade com os seus animais, desenvolveram lendas e crenças, criaram mitos e benzeduras, fundiram o passado pagão com o catolicismo, aprenderam as propriedades medicinais das plantas, aprenderam a ver as horas pelo sol, a escutar os sinais da natureza, enfim aprenderam a viver onde era difícil sobreviver, viviam na natureza e dela sabiam tirar o melhor proveito, e a respeita-la, mas sempre com a consciência que Deus tudo perdoava, mas que a natureza era implacável e nada perdoava, eram povos muito religiosos, demasiado religiosos, respeitavam os dias Santos, as trindades, não tinham a quem recorrer, senão a Deus.

Na semana da Páscoa, na quinta feira a partir do meio dia em ponto, se estivessem a podar as tesouras deixavam de cantar, as enxadas deixavam de cortar terra, as gadanhas e foicinhas deixavam de tombar a erva, as vassouras deixavam de varrer, a roupa ficava por lavar, não se podia fazer terra fresca, era assim até ao meio dia da sexta feira santa.

Outro dia muito importante era o 3 de Maio, o dia da santa cruz, que no calendário católico celebra a data da descoberta da Cruz de Cristo, em 326 por Santa Helena e ainda a recuperação da mesma Cruz por Heráclio que a reconquistou aos Persas e a levou as costas para Jerusalém, tendo a entregue ao patriarca Zacarias, no dia 3 de Maio de 630.

Em Cabril a Santa Cruz era o dia dedicado aos pobres aos cabaneiros ,os cruzeiros e as fontes eram ornamentados de ramos verdes e flores silvestres e muito alecrim, em casa nada se podia fazer, não se podia trabalhar com o gado, não se podia por o arado na terra, só se podia trabalhar para os pobres, se bem que não havia gente rica, mas havia sempre a mais remediada, era o dia de ir tirar esterco, lavrar, fazer as bessadas das pessoas que não tinham animais e não tinham como trabalhar as terras, era estritamente proibido trabalhar em casa, tinha que se ir ajudar aqueles que não tinham como fazer o trabalho, e quando alguém não cumpria , havia sempre um fenómeno que acontecia, segundo a linguagem popular, ou era os arados que se partiam, ou os animais que se recusavam a trabalhar, ou então um boi que acabava sempre por se “escanhotar “.

O “ti” João da Ponte conta uma história que um vizinho dele entretanto já falecido, tinha cangado os bois para ir lavrar para um pobre, mas que ao mesmo tempo aproveitou para ir levar para ele um carro de bois carregado com esterco a barcaça, para o passar para a Grova, onde tinha um lameiro, só que ao descarregar o esterco para o barco, o carro de bois virou e foi tudo parar a barragem, e o próprio “ti João que conta :

-“ohh… pá , olha tivemos que tirar os bois com a barca, os bois ainda por cima ficaram presos pela soga, foi o cabo dos trabalhos, eu dei-lhe um grito !!! Ohh home então tu não sabes que é um dia assinalado, olha, ele virou os olhos ao chão, nem uma nem duas, nem me respondeu, sabes é preciso ter respeito, muito respeito “…

Quanto a mim não sei o que pensar…mas que gosto muito de assim viver e desta forma de vida …Gosto.

A chegada da Albufeira de Salamonde em 1953

As alterações da paisagem e a perca de tradições , usos e costumes de um povo e o “ti” Sebastião da Barca

Quando no ano de 1953 a albufeira de Salamonde começou a encher, a baixa de Cabril e a própria freguesia mudou para sempre, a paisagem nunca mais foi a mesma, o modo de vida nas populações alterou para sempre, muito se perdeu, foram tradições, usos e costumes que acabaram, a paisagem nunca mais foi igual, Cabril sofreu como muitas outras terras de Portugal, o poeta e escritor Miguel Torga, um dia disse: “estes tempos de barragens são uma verdadeira nova no mundo, qualquer dia na escola, o mestre olha para o mapa e diz – antes do período albufeirozoico, aqui era o Barroso.”

O povo de Cabril sofreu, viram os seus terrenos e lameiros ficarem submersos pelas águas, assim como os moinhos, lagares do azeite, zonas piscatórias, poços do linho …muito se perdeu.

Ainda a gente desse tempo, gente que se lembra da chegada da albufeira, por isso não me foi difícil (até porque tenho uma enciclopédia viva em casa) guardar e levantar os registos dos grandes poços que existiam no rio, assim como os seus nomes, o mesmo aconteceu em relação aos terrenos e edificações, foi difícil, mas ao mesmo tempo um trabalho de muito prazer, pois guarda muitas memórias que irão ficar salvaguardadas para as gerações futuras de Cabril, neste pequeno texto eu não irei referir tudo pois seria muito extenso e porventura maçador, irei só falar dos mais importantes e não me irei alongar muito ,pois não vou passar do saltadouro que fica logo debaixo de Salamonde .

Irei começar por S. Ane e pelo sítio onde existiam as pondras ou passadeiras, onde ficava o Poço lava pés, assim chamado pois no inverno e quando o rio trazia mais caudal obrigava as pessoas a tirar os socos e as meias de lá de ovelha para efetuar a passagem para a outra margem ,logo a seguir era o Poço do Dornalho que era onde tinha a presa do lagar de azeite e do moinho da casa dos da Ponte, abaixo era a ponte velha e o Poço do Rodelas, era também aqui que ficava o único lugar da Freguesia de Cabril que teve de ser mudado e que só tinha uma casa ,que era a casa dos da Ponte ou dos Alves, que era uma família muito antiga de Cabril, neste lugar da Ponte viviam e paravam também todos os pobres ou cabaneiros, que eram os artesãos da altura e andavam de terra em terra a fazer cestos ,arranjar potes e guarda chuvas, faziam cântaros em folha, vendiam tigelas e malgas…dormiam debaixo das pedras, nos palheiros, alguns dormiam mesmo na corte dos animais, o mais conhecido e que mais tempo foi ficando era o António que era cesteiro, a quem chamavam o António Rodelas, alcunha ganha devido ao Poço, era um dos da volta, como aqui o povo diz, morava no lagar de azeite que também foi mudado para o lugar das Olas, quando o lagar estava a moer ia viver para o moinho da casa da Ponte, no sítio onde está hoje a ponte nova que foi construída em 1952 ficava o Poço dos Burros, e o moinho da casa dos junpires, que se pensa que foi a primeira casa a existir no lugar de Cavalos , logo a seguir vinha o moinho da casa do Adro, depois vinha o Poço da Grova, e que também tinha um moinho que era de vários herdeiros e era o mais bonito, pois era todo feito em pedra até à cobertura, depois era o Poço de Bustelinho, que tinha um lameiro por cima e que também ficou submerso, a seguir eram os poços da barca e dos lagos, e era neste lugar que morava o barqueiro Sebastião uma das grandes figuras de Cabril e a quem a Freguesia ainda não lhe prestou a devida homenagem, era barqueiro, moleiro, agricultor e pescador, era um homem que criou muitos filhos, mas que tinha sempre as portas de casa abertas para matar a fome e a sede a quem passava, foi ele quem encheu os ribeiros da serra com trutas, era um homem de grande humanidade e um protetor da natureza ,também ele sofreu com a chegada da barragem, perdeu casa, terrenos e moinho, depois vinha a cascalheira, onde também existiam umas pondras assim como um caneiro para apanhar peixe e que tinha o pormenor de ser fechado, existia também o Poço dos sapos conchos que era o nome que as pessoas davam aos cágados que eram difíceis de ver e fugidios, a excepção dos dias de sol, o povo dizia que esse Poço não tinha fundo, por isso evitavam ir para lá, por fim existia o saltadouro, que foi onde nas invasões francesas, houve grandes escaramuças e bastantes perdas humanas e que morava o barqueiro de Salamonde, existia também um moinho de duas Mós a moer permanentemente , depois da chegada da barragem essas Mós acabaram por vir para o novo moinho do “ti” Sebastião.

Muito fica ainda por escrever, pois estes povos tem uma história longa e muito rica, em termos de vivências e culturais.

O Boletim Informativo n.º5

O Boletim Informativo n.º5 já está em distribuição e disponível on-line. 
A visita da Sra. Dra. Eurodeputada Isabel Carvalhais faz a capa desta edição.  As atividades para os próximos 6 meses e a visita do Sr. Cônsul Edalmiro da Rosa a Cabril, podem ser consultadas aqui. 

Dia da Floresta Autóctone

A Freguesia de Cabril comemorou o Dia da Floresta Autóctone com uma atividade de Cabril Ecorural articulada com o CNAF e os Baldios de Cabril. Logo de manhã os alunos da pré-escola e 1.° ciclo da escola de Cabril fizeram farinha de bolota e prepararam a massa para mais tarde fazerem o pão. Enquanto levedava, foram à floresta e ao charco observar e cuidar de todo o espaço. Plantaram árvores, falaram da importância de preservar a floresta e os recursos naturais. Foram momentos muito divertidos e a floresta agradece estes gestos.